Ato I
[O coração bate com força contra o peito e o sangue sobe as faces, manchando de vermelho o rosto branco de olhos pintados.]
- Você consegue escutar?
-Escutar o quê?
- A minha felicidade.
- ...
- Eu achei que desse. Está tão alto, tão alto em meus ouvidos...
[O coadjuvante aproxima o rosto do peito da personagem principal; toca com o ouvido a roupa pesada que ela usa e escuta um tum-tum descompassado enquanto sorri].
Ato II
- Que noite mais fria para se comemorar.
- A culpa não é minha. Eu não escolho as datas e não mando no tempo.
- Eu não disse que a culpa era sua.
- ...
- Ta. Mesmo não sendo culpada, não muda o fato da noite estar fria.
- Pelo menos não está chovendo.
- É. Pelo menos isso.
- E nós temos um ao outro.
- É. Um ao outro.
[E os dois personagens enroscam as mãos geladas enquanto continuam caminhando pelas ruas frias da sexta à noite.]
Ato III
- Vocês ficaram bonitos na foto juntos.
- ...
- Vocês estão melhores do que nós dois nessa outra foto.
- Acho que foi culpa de quem bateu a foto.
- Não. Acho que você e ela são um casal mais fotogênico do que eu e você.
- Eu e ela não somos um casal.
- E eu e você?
- Não sei. O que você acha?
- Se nós somos um casal, somos os que são retratados de forma mais estranha que eu já vi...
[ O coadjuvante segura as fotografias nas mãos enquanto a personagem principal passa os braços ao redor da cintura].
Ato IV
[O bar está calmo enquanto os dois personagens estão se encarando.]
- Eu entreguei o ouro ao bandido, não foi?
- Não diria que foi assim.
- Apresentei vocês dois e fiz propaganda de como vocês eram pessoas importantes.
- São essas coisas que acontecem sem motivo; não foi porque você nos apresentou.
- Se vocês não tivessem se conhecido, não teriam se apaixonado. É um pensamento lógico e linear, meu caro.
- Mas amor não segue nenhum raciocínio lógico.
- ...
- O que foi?
- Eu achei que fosse só uma paixão.
- ...
- Você nunca disse que me amava.
- Você queria que eu mentisse?
- Não. Mas eu queria que você me amasse.
- Desculpa.
[ A personagem principal levanta devagar da mesa. O coadjuvante observa sem nenhum movimento enquanto a personagem principal vai embora]
Ato Final
[O sol está se pondo e a personagem principal finge não sentir que a temperatura começa a cair. Há dor em seus rosto – e a platéia quase pode sentir uma certa conformidade nas lágrimas, apesar de tudo.
O vento agita o cabelo dela e a última coisa que a platéia vê é um suspiro de quem sabe que as coisas estão perdidas]
Então, o fim – e as cortinas caem e as luzes se apagam.