sábado, 21 de março de 2009

Mit Ihnen

Eu sonhei com você esta noite.

O seu cheiro continuava o mesmo, seus olhos com o mesmo brilho. Seu sorriso nunca me pareceu tão lindo e sua pele estava macia, com aquelas sardas pequeninhas e quase imperceptíveis que eu tanto gosto.

Mas seu cabelo estava diferente - mais curto e mais cacheado. Como um anjo.

E sua posição também não era a mesma dessa nossa vida real.

A gente estava junto e era só isso que importava.

Nem as escadas, nem os manequins, nem as paredes enormes de vidro que nos mantinham presos numa bolha no meio da terra seca. Nada disso tinha valor nenhum pra nós dois.

E eu estava feliz como jamais estivera.

Você estava feliz como jamais estivera.

E o cheiro doce que rodeava aquele lugar era tão reconhecível que não me parecia mais um sonho, mas sim uma lembrança.

E então eu acordei.

E o único cheiro que eu sentia era o meu perfume, e a única lembrança real que eu tinha era de um mês de dezembro sem adeus, e de um ônibus lotado por estranhos.


domingo, 15 de março de 2009

Manequim


São bonecos, fantoches, brinquedos. Meus desejos são os teus escravos, e só por ti é que eles continuam vivos.


Em tuas mãos são pequenos e inúteis, como grãos de areia na imensidão das praias. E mesmo assim você os retém, como reféns, como a prova de que não existe uma forma de continuar sem que seja ao seu lado.

Você tem o fio que me prende aqui. E tem a tesoura que pode cortá-lo.

Já não é mais uma questão minha.

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Fotografia tirada dia 13 de março de 2009.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Tuas mãos

- São as tuas mãos
-Como?
- É. Você me pediu do que eu mais gostava. São as tuas mãos.
Ele riu. E com o riso, veio o suspiro.
- Tanta coisa legal pra você gostar em mim e decide ser logo as mãos o que mais gosta?
Ela olhou para o céu.
- Sei lá... Eu poderia dizer que são dos olhos, ou do riso, ou quem sabe do seu jeito. Mas não estou com vontade de mentir.
- Que bom.
- O quê?
- Que você gosta das mãos.
- Ah. É, eu também acho.
Ele revirou os olhos.
- Por quê?
- Por que o quê?
- Por que você gosta das mãos?
Então ela parou e pensou. Não eram mãos especiais, disso ela tinha certeza. Ele tinha dedos compridos e finos, e as unhas curtinhas e pequenas. A pele da mão era toda marcada e tinhas alguns pêlos clarinhos e finos soltos. Os sulcos sobre as articulações, pensou ela, parecem pequenos vales de terra maltratada. Era uma mão comum.
Não era exatamente das mão que ela gostava, mas do que elas representavam. Eram com aquelas mãos que ele segurava suas próprias nos piores momentos; eram com aquelas mãos que ele prometia coisas sem nexo. Mas principalmente, eram aquelas mãos que davam vida ao acordeão velho e riscado que ele sempre tinha por perto. Ele conseguia dar vida aquele objeto com o simples dedilhar.
E ela gostava da música que ele fazia.
- De verdade? Não sei.
Então eles deixaram pra lá, enquanto o silêncio se encostava devagar.

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O tocador de acordeão.

terça-feira, 3 de março de 2009

Eternidade



Tente. Tens apenas uma chance. Uma única oportunidade.

Comece. Quero ouvir teus motivos, tuas mentiras mascaradas de verdades. Apenas com algumas palavras não será capaz de me convencer. Não desse jeito.

Encare. A si mesmo, a realidade, as coisas que lhe parecem um mistério.

Vamos. O tempo está passando e eu não vejo, de forma alguma, algo novo.

Você já sabe. Repetições me cansam.